Sardinhada 2013
A porca da política
Invocamos mestre Bordalo Pinheiro. Numa das suas ilustrações
mais conhecidas, uma porca está deitada junto de uma multidão de bacorinhos que
se esforçam por mamar. Para Bordalo Pinheiro, assim seria a porca da política.
A imagem da grande
porca ilustra um certo imaginário que hoje em dia, em tempos de crise da
política, está bem vivo. Muitos daqueles com quem nos vamos cruzando
identificam-se e pensam através desse “desenho mental”. E é preciso certamente
escutar atentamente as suas boas razões para criticar a política dominante: essa
política dos interesses, do mediatismo, do carreirismo. Nestas críticas,
encontramo-nos. Há, contudo, que ser claro e procurar desconstruir algumas outras
ideias que por vezes se associam a este imaginário.
1. A porca da
política é a política fácil.
Ou seja, tanto a crítica demagógica da política quanto a
eterna redução da política a uma porca são formas fáceis de fazer política.
1.1. A crítica à porca da política tornou-se atualmente uma
forma de política demagógica
(justiça seja feita a Bordalo Pinheiro, ele não se ficou por uma denúncia genérica
e fácil e incomodou vários poderes factuais). Os políticos anti-políticos
concorrem num mercado moralista. Para eles, a política são sempre e só os
outros que são todos iguais na mesma medida em que se creem superiores. E, para
além de maldizer os partidos e os políticos, de se refugiar na vagueza do
interesse nacional ou do amor à sua terra pouco mais têm a dizer, pouco mais
arriscam.
1.2. Outra forma da política fácil é servir-se da política. Convém
reafirmar o óbvio: quem se serve da política, serve-se para seu interesse
privado do trabalho coletivo apropriado por exemplo sob a forma de imposto.
Claro que é preciso ter a coragem de denunciar os
aproveitamentos pessoais e os compadrios que estão presentes na política local
e nacional. Claro que a crítica geral que mancha a política por inteiro se
tornou demasiado fácil escondendo mais que revela. Mas deve-se ainda procurar
compreender quem é que verdadeiramente se usa da política para não cair no erro
de culpar só os capatazes e desculpar os seus patrões. É portanto necessário
dizer que quem utiliza a política como uma porca são as elites locais e os
donos de Portugal, são os mercados, esse eufemismo que remete para os
interesses da burguesia financeira internacional.
2. A Política fácil tem
um momento de gala nas próximas eleições autárquicas.
Esta política fácil
diz o que pensa que as pessoas querem ouvir e faz aquilo que sabe que estes
poderosos querem.
Esta política fácil passa por prometer na oposição para não
cumprir no governo. Política fácil foi encher a cidade de construção e os
bolsos de alguns construtores e proprietários, difícil é planear e limitar índices
de construção. Política fácil é dizer uma coisa localmente e votar o contrário
na Assembleia da República. Política fácil é dizer que se defende o Hospital e
depois votar o orçamento que sabota o Serviço Nacional de Saúde. Política fácil
é dizer que se apoia o comércio e depois votar as políticas de abaixamento do
nível de vida que o destroem. Política fácil é prometer grandes projetos para a
lagoa de Óbidos, difícil é ser consequente na sua defesa. Política fácil é
falar na defesa do Hospital termal e dos pavilhões do Parque, difícil é
resistir às operações de especulação imobiliária disfarçadas que aí vêm.
3. Esta política
fácil necessita de despolitizar a política local.
É a isso que temos assistido um pouco por todo o país. A crítica
anti-partidária à porca da política e a política dos interesses unem-se nessa operação
de despolitização da política.
3.1. A crítica pseudo-radical da política é imediatamente
despolitizadora: se todos mamam, são todos iguais; se a política é uma porca
não há possibilidade alternativa. Assim, ao criticar todos por igual anulam-se
as diferenças e sugere-se a impossibilidade de organização política dos mais
desfavorecidos.
3.2. Mas a despolitização tem outros aspetos. No caso da
política autárquica passa pela repetição de ideias que parecem intuitivas como
a de que o que interessa são as pessoas e não os partidos ou que o que
interessa é a “obra” feita (e contudo esses mesmos que o repetem tantas vezes
votam no mesmo partido apenas e só como se fosse o seu clube). Desta forma, não
existiriam escolhas propriamente políticas a fazer.
3.3. Esta despolitização passa ainda por uma apropriação da
linguagem. Não dizem afinal todos o mesmo? Não falam agora todos, por exemplo,
em desenvolvimento sustentável ou em participação? A despolitização pega em
conceitos que tinham um potencial emancipador para os esvaziar, procurando
reduzi-los a uma moda, procurando fazer tudo equivaler-se.
3.4. A despolitização da política autárquica funciona também
por segmentação: só funciona se cortarmos a política local da política nacional
e a política nacional da situação económica e política mundial. Querem
fazer-nos crer que as suas posições nada têm que ver com a forma de governar o
país: uns porque são diretamente responsáveis por ela, outros porque não têm
propostas coerentes para responder à crise ao nível nacional.
4. A alternativa à
porca da política não é a ausência de política mas só pode ser uma outra forma
de fazer política.
Esta outra forma de fazer política assume que queremos
organizar-nos a partir de baixo, que há escolhas e que estas dividem campos que
fazem a diferença; que as palavras não são maleáveis ao ponto de dizer uma
coisa e o seu contrário, que o desenvolvimento sustentável está para além do negócio
ou que a democracia participativa não é apenas um ritual; que a política local
e a nacional se cruzam necessariamente.
Trata-se, portanto, de repolitizar a política local, de
afirmar que há esquerda e direita na política autárquica.
Se a política local consiste muitas vezes na transferência
de rendimentos para as elites locais sob diversas formas, uma política de
esquerda é a que procura alterar esta estrutura procurando uma política mais
igualitária e de justiça social. Essa é a política difícil.
Se as forças que procuram transformar a política numa porca
são esmagadoras e se sentimos que nos querem obrigar a viver uma porca de vida,
uma política de esquerda é a que reinventa a política enquanto indignação e
luta pela dignidade. Essa é a política difícil.
A candidatura do Bloco de Esquerda à Câmara das Caldas
da Rainha está aqui para fazer um convite à repolitização da política local e à
política difícil. É ela que é desafiante. É ela que vale a pena. É ela que pode
transformar. É ela que é verdadeiramente criativa, imediatamente participativa,
genuinamente solidária.
Carlos Carujo, 27-06-2013
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