Da pobreza nas Caldas da Rainha.
Passava um pouco das 21h00
quando veio ter connosco. O Joaquim Sá já tinha passado duas vezes por
nós e pedido mais alguma paciência, enquanto terminava as tarefas que
habitualmente o ocupam àquela hora. Finalmente lá nos sentámos na
escadaria mais próxima do sítio onde o Joaquim Sá habitualmente faz a
distribuição noturna de pão, na Avenida 1.º de Maio.
O Quim,
como toda a gente o conhece e como os seus “utentes” o tratam e sempre
trataram, apoia pessoas com carência alimentares em Caldas da Rainha vai
para próximo de 30 anos. Durante muito tempo foi confundido com os que
apoiava, e igualmente vítima do preconceito e do estigma. Mais tarde
veio algum reconhecimento e com o apoio de mais pessoas de boa vontade
constituiu-se uma associação. Durante nove anos, com esta cobertura
institucional, ocupou um espaço cedido pela autarquia para fazer o que
até ai sempre fizera na rua.
A população ajudada pelo Quim Sá
transporta consigo todos os problemas inerentes à exclusão,
marginalidade, desemprego, adições de vária ordem, famílias
disfuncionais, períodos de detenção prisional, doenças mentais. Durante
nove anos, apesar das dificuldades, desde a inadequação à localização
das instalações, à falta de acompanhamento técnico e institucional que a
autarquia também deveria ter garantido, o essencial parecia garantido:
havia um espaço a coberto da intempérie onde era possível fazer uma
refeição, sem mais perguntas desnecessárias; fazer a higiene pessoal;
lavar a roupa e vestir uma muda lavada.
A Associação de Volta a
Casa foi despejada em 2010 das instalações do município. Num processo
inenarrável, onde além de se meter em assuntos que deveriam estar no
âmbito da autonomia associativa, a autarquia montou autênticas
armadilhas para legitimar aquela medida desumana. O Joaquim Sá, pouco
impressionado com as artimanhas da burocracia e com o cinismo do poder
que se faz despercebido, continuou a fazer na rua o que antes fazia numa
casa que lhe foi tirada por motivos fúteis. Afinal o essencial é
alimentar quem tem fome.
De lá para cá, apesar de todas as
instituições que distribuem alimentos, das juntas de freguesia, às
congregações religiosas, uma cantina da misericórdia, e outras
entidades, como a Cruz Vermelha, p. ex., o Quim continua a ser procurado
por 60 a 70 pessoas diariamente, que valem por cerca de 100 se
contarmos com os que ficam em casa à espera da comida. Continua a ser a
primeira linha de resposta à pobreza, que se manifesta na sua forma mais
atroz – a fome. Continua a alimentar aqueles que não são aceites, ou
“aceitáveis” pelas “respeitáveis” instituições, talvez porque nem tenham
papéis de identificação, ou porque o turbilhão de problemas em que
vivem não lhes permite cumprir regras e regulamentos, quais bons alunos,
premiados a pratos de sopa e sacos de alimentos.
Agora já nem
se nota a flutuação das campanhas agrícolas de verão que faziam baixar o
n.º de refeições. O aprofundamento da crise fez com que as pessoas a
alimentar agora sejam mais do que quando existiam instalações. E os que
têm crianças sentem ainda mais dificuldades nos períodos de férias.
Tantas
vezes confrontado com o preconceito e acusado de ser o protetor dos
toxicodependentes, Joaquim Sá tem consciência que essa acusação é cada
vez mais vazia. A
pobreza há muito se fez transversal e o melhor
para a combater, bem o sabe, é a criação de empregos. Quanto às adições,
a crise também tem ai o seu papel – agora ganha preponderância a droga
dos pobres: cada vez há mais alcoólicos.
Pelo meio da conversa
Joaquim Sá confidenciou-nos ainda um sonho. Tão singelo, mas tão nobre,
que cremos poder partilhá-lo: um dia gostaria de ter instalações onde
pudesse trabalhar com independência, sem interferência institucional.
Sentimos que uma nova maioria na Câmara Municipal teria aqui uma
prioridade incontornável. Em nome de uma cidade solidária.
Despedimo-nos
cerca das 22 horas. O Quim tinha ainda algumas tarefas a cumprir com os
seus utentes antes de dar o seu dia por terminado.
Caldas da Rainha, 13 de Agosto de 2013.
Carlos Carujo, Candidato do BE à Presidência da Câmara Municipal.
Lino Romão, Candidato do BE à Presidência da Assembleia Municipal.
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